Greve mundial das mulheres. Por um 8 de março antipatriarcal e anticapitalista
Em mais de 40 países, milhares de mulheres e organizações estão preparando a primeira greve mundial de mulheres para o próximo 8 de março, dia da luta feminista. Essa é uma grande oportunidade para fortalecer e unificar as lutas para conquistar os nossos direitos.
Há poucas semanas, milhares de mulheres foram às ruas, nos Estados Unidos, para enfrentar a política misógina, racista e capitalista representada pelo novo governo de Donald Trump. Esse movimento se liga com as grandes mobilizações que vêm acontecendo no mundo nos últimos anos. Desde o #NiUnaMenos da Argentina contra os feminicídios, até a marcha do 7 de novembro de 2015 contra a violência machista no Estado espanhol (http://marcha7nmadrid.org/pt/), passando pela mobilização no México exigindo #VivasNosQueremos, a paralisação de mulheres na França por trabalho igual, salário igual, os protestos das mulheres na Rússia e as mobilizações no Estado Espanhol, Itália e Polônia para manter o direito ao aborto legal.
Por isso intelectuais e ativistas feministas chamam a todas nós para uma greve internacional no 8 de março, em que mulheres de diferentes partes do mundo estejamos nas ruas contra todas essas violências. O texto, assinado por Angela Davis e Nancy Fraser, entre outras, propõe um urgente acerto de contas com o “feminismo empresarial” hegemônico para construir em seu lugar “um feminismo para as 99%, um feminismo de base, anticapitalista; um feminismo solidário com as trabalhadoras, suas famílias e aliados em todo o mundo.” O primeiro passo neste processo seria a greve internacional convocada para este 8 de março.
Publicamos, a seguir, a tradução do texto do manifesto adatado ao contexto galego.
Além do ‘faça acontecer’: por um feminismo das 99% e uma greve internacional militante em 8 de março
A greve das mulheres do 8 de março será um dia de ação internacional planejado e organizado por mulheres em 40 países do Norte e do Sul do Mundo. Em um espírito de solidariedade e internacionalismo, queremos que o dia 8 de março seja um dia de ação organizado por e para mulheres empobrecidas e silenciadas por décadas de neoliberalismo, predominantemente as mulheres trabalhadoras, mulheres com discapacidade, mulheres migrantes, mulheres lésbicas…
Queremos que o 8 de março seja o início de um movimento feminista renovado que organize resistência não apenas contra políticas misóginas, mas também contra as décadas de desigualdade econômica, violência racial e sexual, assalto colonial aos povos nativos e guerras imperiais no exterior.
Celebramos a diversidade dos muitos grupos sociais que se juntaram para o 8 de março. Viemos de muitas tradições políticas e estamos unidas em torno dos seguintes princípios comuns:
O fim da violência de gênero
Todas as mulheres merecem uma vida livre de violência, tanto doméstica como institucional. Mulheres trabalhadoras, mulheres trans e mulheres migrantes enfrentam os piores aspectos da violência individual e institucional direta, seja sob a forma de estupro e violência doméstica, brutalidade policial, cercos contra migrantes ou sob a forma da violência promovida por políticas estatais que criam e consolidam a pobreza. Contra toda essa violência, estatal e individual, exigimos que nossa vida e trabalhos sejam tratados com dignidade.
Justiça reprodutiva para todas
Defendemos a plena justiça reprodutiva para todas as mulheres. Queremos uma completa autonomia sobre nossos corpos e plena liberdade reprodutiva. Exigimos o aborto livre sob demanda e assistência universal para todas, independentemente de renda, raça ou status de cidadania. A justiça reprodutiva para nós significa a liberdade de escolher querer ter ou não filhos, tê-los no momento da nossa escolha e o direito ao apoio financeiro e outras formas de suporte para mães e crianças para que sejam socialmente valorizadas e protegidas.
Direitos trabalhistas
Os direitos trabalhistas são direitos das mulheres porque o trabalho remunerado das mulheres no local de trabalho e o trabalho não remunerado em casa são a base da riqueza em nossa sociedade. Em todo o mundo, as mulheres atuam como cuidadoras. No entanto, as mulheres são o sexo mais pobre em todos os lugares, empobrecido em vez de recompensado por esta jornada dupla ou tripla de trabalho em funções vitais.
Todas as mulheres, independentemente do status de cidadania, sexualidade ou raça, devem ter salário igual por trabalho igual. Como mulheres trabalhadoras que “carregam metade do céu” nas costas, recusamo-nos a ser divididas quanto ao tipo de trabalho que realizamos, seja qualificado ou não qualificado, remunerado ou não remunerado, formal ou informal.
Assistência social completa
Anos de políticas neoliberais levam ao violento desmantelamento da assistência social que afeta a todas as mulheres. Enquanto as nossas vidas no trabalho tem se tornado cada vez mais precárias, os dispositivos sociais que poderiam proporcionar uma rede de segurança contra uma exploração tão dura da mão-de-obra foram atacados ou removidos completamente. Contra estes ataques, exigimos uma reestruturação completa do sistema de bem-estar social para atender às necessidades da maioria, como os cuidados universais de saúde, um sistema robusto de seguro-desemprego, além de segurança social e educação gratuita para todas.
Por um feminismo antirracista e antimperialista
Defendemos um feminismo irredutivelmente antirracista, anticolonial e anti-ocupacionista. Isso significa que movimentos de luta contra a brutalidade policial e o encarceramento em massa, de exigência de fronteiras abertas, pelos direitos das pessoas migrantes e de luta por justiça para a Palestina, Saara, Curdistão e de todos os povos que lutam pela sua liverdade tèm de formar parte do novo movimento feminista que nasce. Queremos desmantelar todas as muralhas, também das construidas pela Europa do capital.
Justiça ambiental para todas
Acreditamos que a desigualdade social e a degradação ambiental são ambas devidas a um sistema econômico que coloca o lucro acima das pessoas. Exigimos, em vez disso, que os recursos naturais da Terra sejam preservados e usados para dar sustento às nossas vidas e de nossas filhas e filhos. A luta de todas e todos que, ao redor do mundo, se levantam contra a contaminação do solo e da água pelas corporações nos inspira. A emancipação das mulheres e a emancipação do planeta devem andar de mãos dadas.
Publicado originalmente na Viewpoint Magazine, em 3/02/2017, com o título “Beyond Lean-In: For a Feminism of the 99% and a Militant International Strike on March 8“